terça-feira, 29 de maio de 2018

UM ADEUS A ANTÓNIO LOJA NEVES


Foi júri das competições do AVANCA e uma voz amiga, interventiva que sempre todos quisemos ouvir.

António Loja Neves esteve sempre nos caminhos dos cineclubes, dos festivais e dos filmes que fazem a memória da nossa cinefilia.

Em português (nos dois lados do Atlântico), ou em crioulo (de Cabo Verde), sempre soube construir palavras que passaram do cinema á poesia, das longas e motivantes conversas ao prazer de redescobrir sábias memórias.

Tinha nascido na Madeira em 1953, passou na adolescência pelo calor de Cabo Verde e viveu a revolução numa Lisboa onde os cravos baralharam as normais regras das armas. No Cineclube Universitário de Lisboa (bem perto da Cinemateca), nos jornais, nas intervenções apaixonadas com que marcava as suas posições, sempre encontrou espaço para olhar o cinema e a sociedade num brilhante colectivo.

Janela atenta e latente do cinema no “Expresso”, o jornalista Loja Neves foi sempre algo mais. A escrita permitiu-lhe espaço para a poesia, tendo sido, com o livro "Barcos, íntimas marcas", Prémio Revelação de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores em 2001. Recentemente e com Margarida Neves Pereira, publicou uma nova obra, "Arménia: Povo e identidade".

No cinema, o documentário transformou-se num dos seus braços armados no espaço da cinefilia e da intervenção política. Esteve em quase tudo o que de documentário foi acontecendo no nosso país e, neste género, realizou em 1993 "Ínsula", seguindo-se "O silêncio" em 1999, com José Alves Pereira, .

Para além do documentário, o seu mais profundo mergulho acabaria por ser no cinema dos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). Com ele desenvolveu intensa programação e divulgação, em Portugal, Brasil e Moçambique. Mostras e festivais que tinham sempre o seu cunho, por vezes quase inflamado, numa procura de identidade e conjugação de contextos que sempre o marcaram.
Com Francisco Manso, viria a coorganizou os “Encontros Internacionais de Cinema de Cabo Verde”, que marcaram esse tempo e a geografia de uma língua e cultura, que tiveram por ali um brilhante epicentro.

Licenciado em realização pela Escola Superior de Teatro e Cinema, esteve sempre nos grandes momentos da FPCC - Federação Portuguesa de Cineclubes, participando da sua fundação e intervindo apaixonadamente nos seus movimentos e dinâmicas.

Aos 65 anos, algo ficou vazio entre cinéfilos de três continentes. Ficam cruciais razões para nos lembrarmos do intenso António Loja Neves (1953 – 2018).


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